Um jovem sorridente destoava no mercado, cheio de pessoas atarefadas e sisudas
Em uma fria tarde de nosso inverno, minha esposa e eu saímos para fazer compras. Aproveitávamos os últimos dias de férias para repor algumas coisas que nos faltavam. Como a parte que me coube eram as frutas e verduras, acabei primeiro e então decidi tomar um café enquanto a aguardava. A espera permitiu-me ser mais observador que o comum, a começar pela mensagem na pequena embalagem de açúcar – “curta seus amigos”. A clássica lembrança que devemos nos fazer de tempos em tempos.
De onde eu estava, podia ver também as reações e expressões faciais das pessoas enquanto faziam suas compras. Cada qual não tinha olhos para ninguém, giravam e apertavam laranjas, tomates, cebolas, certificando-se que levariam o melhor para casa. No chão, embaixo das bancas via-se o resultado de mãos e mentes apressadas sem que ninguém se importasse com isso, exceto por uma laranja que, ao cair, rolou em direção de uma jovem senhora que abaixando e com pressa, recolocou no monte, tão depressa que parecia estar fazendo a coisa errada. Um senhor aparentando ter uns 70 anos, cabelos bem alvos, as duas mãos descansando nos bolsos de um comprido casaco preto, daqueles que não se propõem a ser bonitos, apenas quente, confortável, observava os preços, pensava, pensava e seguia fazendo suas pesquisas mentais. Não sei se achou caro ou se apenas estava passando o tempo, não comprou nada. Saiu indiferente. Nenhum sorriso na face, rosada pelo frio e enrugada pelos muitos anos. Ele era o “retrato” de todos que ocupavam aquele hipermercado. Cada um por si e para si.
O que destoou no ambiente foi a entrada de um jovem rapaz, cabelos encaracolados, denunciando serem batidos com as mãos. Trajava uma bermuda jeans, abaixo dos joelhos, no qual prendia um grande chaveiro. Usava uma camiseta escura que, acredito, foi pensada por uma mãe para combinar com seu belo rapaz. À medida que se aproximava, eu notava que ele ria abertamente, sem proibições. Não havia como não notá-lo, era vida no meio de nós. Enquanto cumprimentava, percebi que não era correspondido, senão por uma criança, que, ao seu aceno, retribuiu com um sorriso verdadeiro. Neste momento, ele olhou para mim e fez uma graciosa saudação, com a mão destacada acima de sua cabeça e, acreditem, de novo, o largo sorriso, daqueles que vão de canto a canto da boca, próprio dos seres humanos especiais. Senti-me abraçado. Como bem disse um desconhecido: o sorriso é um abraço que se dá de longe.
Envolto em muitos pensamentos, ali estava eu, aprendendo a viver melhor com uma criança e um jovem, porque me permiti um café. Também fiquei com uma leve tristeza, ao perceber o quanto estamos nos distanciando uns dos outros, ferindo e sendo feridos pela mortal indiferença. Tão perto e ao mesmo tempo tão longe uns dos outros. De súbito, acordei do que não foi um sonho. Na tela do celular lia: “esposa,”. Levantei os olhos e lá estava ela, linda como sempre, trazendo um carrinho cheio das coisas que gostamos.