Skip to content

O dilema do telhado de vidro

O que fazer quando a nossa vida não condiz com o nosso discurso?

Na vida real e na ficção, o provérbio “Quem tem telhado de vidro não atira pedras” veio à tona nos últimos dias em nosso país. Na vida real, Paulo Nunes, um ex-jogador de futebol, concedeu entrevista à Rede Globo e comentou as brigas entre um técnico famoso (Vanderley Luxemburgo) e um jogador, mais famoso ainda (Ronaldinho Gaúcho). O treinador queria corrigir o jogador por atitudes contrárias às regras de seu clube. O entrevistado opinou que o técnico não era a pessoa mais indicada para fazer isso, pois ele tem “telhado de vidro”. Justificou que o treinador também cometeu erros, os quais desautorizam o mesmo a repreender o jogador.
Já na ficção, acompanhamos a estreia – também na Rede Globo – de uma minissérie onde o personagem central faz o papel de um presidente brasileiro que tenta corrigir os mandos e desmandos dos políticos, mas que vez por outra é pego com a “boca na botija” por seus adversários. Pelo viés da chantagem, conseguem manter o presidente de bico fechado. O presidente tem a boa intenção de melhorar a nação, mas a sua própria vida dificulta o alcance de seu objetivo. A trama faz coro à afirmação de um famoso político (Roberto Jefferson), que em entrevista à Revista Época em 05/08/11, disse: “todos os partidos têm telhado de vidro”.
Na palavra de Deus, o termo usado para pessoas que apontam erros dos outros, mas que vivem, elas mesmas, uma vida errônea é hipócrita. O Senhor Jesus fez uso dessa palavra em 20 ocasiões. Segundo Rm 2.1, hipócrita é aquele que se condena naquilo que ele mesmo aprova. Há um sinônimo dessa palavra na tradução ARA (Almeida Revista e Atualizada) em Tg  3.17, que nos ajuda ainda mais a entender o que é ser hipócrita: fingimento. A ideia por trás da expressão “Telhado de Vidro” é que quando julgamos os outros, estamos figuradamente, lhe atirando pedras (conf. Lv 20. 2 e 27). Mas se nossa vida não condiz com o que falamos, os outros também estarão em condições de nos atirar pedras. Aí, não é difícil imaginar os resultados catastróficos de pedras sendo lançadas sobre um telhado de vidro. Ninguém quer que isso aconteça, afinal, um telhado de vidro custa caro. Queremos do mesmo modo em nossa vida real, a todo custo, preservar nosso nome e nossas “amizades”. Então, para não termos nosso telhado quebrado, o melhor a fazer parece ser calar diante dos erros dos outros. Do provérbio extraímos a moral: manter o silêncio diante do imoral.
Mas, no Evangelho, as advertências proferidas aos hipócritas não parecem ter como finalidade fazer-lhes silenciar. Em Mt. 7.5, por exemplo, Jesus diz ao hipócrita: tire primeiro a trave do seu olho e então poderá ver bem para tirar o cisco que está no olho do seu irmão – NTLH. Quando Jesus repreendia um hipócrita, sua finalidade não era apenas desmascarar seu fingimento, mas mostrar-lhe também que ele só poderia contribuir decisivamente com o seu próximo se primeiro consertasse a sua vida. O foco de Cristo não é resolver a hipocrisia com o silêncio da conivência e sim com uma fala que tenha, mediante a correção pessoal, autoridade moral. Os gregos (principalmente Aristóteles: 384-322), também ensinavam que a primeira e decisiva parte do discurso é o Ethos ou Ética. Quem tem Ética consegue, antes mesmo de falar, convencer pessoas de seus desatinos.
Qual é então a solução para pessoas que têm uma vida prática que não condiz com o seu discurso? Silenciar? Não! A solução para aqueles que têm o seu telhado de vidro não é deixar que cada um cuide de si mesmo e fique ao léu. Isso não é Cristianismo. Isso não é igreja! De acordo com a Escritura, na igreja é preciso ocorrer repreensão (Tt 1.13); é necessário praticar a correção (2 Tm 3.16) e é fundamental haver exortação (Rm 12.8). Muitas vezes, as pessoas que estão em flagrante erro moral, se utilizam do texto de Mt 7.1 – não julgueis – para rechaçar a palavra de correção que vem do irmão. Mas é preciso lembrar-lhe que o mesmo Jesus que disse não julgue também disse: Julgai segundo a reta justiça (Jo 7.24). Essa distinção não é contraditória. Jesus está mostrando que, se nossa vida não vai bem, não temos autoridade para julgar. Mas, se vivemos em reta justiça, poderemos contribuir com o nosso irmão, à base da palavra que, repleta de amor, o conduz pelo viés da exortação, da repreensão ou da correção, a um caminho mais agradável a Deus. Vem à mente a cena em que Paulo repreendeu Pedro quando este temeu a verdade (Gl 2.11 e 12). Paulo e Pedro haviam compreendido perfeitamente o valor de Judeus e gentios para Deus. Como Pedro não quis demonstrar isso quando estava diante dos dois tipos de crentes, foi duramente repreendido. Por que Paulo pode fazê-lo e porque ele não “ficou na sua”? Porque sua vida autorizava o seu discurso.
Em nossos dias, infelizmente, não apenas o treinador de futebol da vida real e o presidente da ficção estão sendo levados a se calar diante dos erros dos outros, mas muitos líderes cristãos também estão silenciando. Eles já não têm autoridade para corrigir a igreja porque sua vida parece lhes obrigar ser complacente. Em muitos movimentos cristãos, pastores se calam para o homossexualismo porque são conhecedores de sua prática por algum filho. Líderes se calam para o adultério, porque estão também em adultério. Crentes se calam para a idolatria, pois eles mesmos idolatram um líder ou cantor gospel. Assim, cada um “fica na sua”. Eles fazem uso da bandeira do abaixo à hipocrisia para ratificar o seu silêncio. Não tiram o cisco que está no olho do irmão, não pelo cuidado com o julgamento, e sim por não admitir tirar a trave de seu próprio olho. Mas aí, o pastor deixa de pastorear, o líder deixa de liderar e a igreja deixa de ser igreja. Como resultado, os ministros cristãos sofrem de cá, e as ovelhas padecem de lá. É preciso entender que quando vivemos na igreja como se nada de mal estivesse acontecendo, quando está acontecendo, embora não repreendamos e não exortemos ninguém, aí também a hipocrisia está presente. Está presente porque fingimos que tudo vai bem, quando na realidade, a igreja está morrendo. Em Tg 5.16, aprendemos que deveríamos em vez disso, confessar as nossas culpas uns aos outros. Deus sabe que quando somos conscientes de nossos erros e quando os confessamos e deixamos, passamos a viver uma bênção dupla, pois mudamos a nossa vida, e, consequentemente o nosso irmão. É isso que Jesus objetivava ao criticar a hipocrisia.
Quando preferimos o silêncio para não correr o risco de evidenciar nosso erro, pode desaparecer de nossa mente a preocupação com nosso telhado de vidro, mas a segurança sobre a nossa cabeça, não será ainda tão eficaz. O silêncio da conivência é telhado da casa de Dagom, que embora fosse uma cobertura capaz de sustentar três mil pessoas, depois acabou ruindo, matando tanto os que estavam “seguros” sobre ele como os que estavam “protegidos” sob ele (Jz 16.27 e 30). O silêncio da complacência que parece dar solução para o telhado de vidro – pois mantém em surdina meus erros – causa a terribilidade do templo do deus pagão – morre quem eu protejo com meu silêncio e morro eu, em silêncio. Tanto um como o outro é nocivo à vida cristã. A hipocrisia nos mata pela boca. Mas a omissão também nos condena, embora façamos uso do direito de permanecer calado.
Só temos assim, queridos, uma opção: clamar para o Espírito Santo nos convencer do nosso pecado (Jo 16.8), nos livrar de nossos deslizes, e nos santificar cada vez mais, tirando de nossos olhos todas as traves. Deste modo, nossa cobertura espiritual será o próprio Espírito, que não coincidentemente, é Santo. Assim poderemos limpar os olhos de nossos irmãos. Poderemos ser fecundos na igreja e no mundo e não estéreis como os hipócritas e os omissos. Poderemos vencer os telhados de vidro e os  telhados de Dagom. Poderemos ser igreja, e isso, segura e confiadamente, pois estaremos Sob as asas do Espírito Santo.
Pr. Marcio Rogério Gomes David é superintendente da Convenção Ceará.

Notícias