Um olhar sobre a vida da pessoa com surdez
De acordo com o Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda, no Brasil vivem cerca de 10,7¹ milhões de pessoas com deficiência auditiva. Nesse índice 2,3 milhões têm deficiência severa e a surdez atinge 54% de homens e 46% de mulheres. Sendo assim, torna-se relevante pensar em como essas pessoas veem o mundo diante desse desafio que é a perda auditiva.
Para isso, iniciarei relatando a primeira experiência que tive com um surdo e que marcou minha vida. Em 2014 e 2015 tive a oportunidade de cursar Teologia no seminário interno da Igreja Adventista da Promessa. Congreguei durante este período com os promessistas de Vila Medeiros, onde pude conhecer um grande amigo e servo de Deus, chamado de Daniel Pereira da Cruz. Na primeira vez tomei um susto quando o vi, pois não entendi nada do que estava me falando, só entendi após uma das intérpretes traduzir para minha língua, ou seja, o português. Atualmente Daniel é presbítero na igreja e sendo surdo, sua língua é a Libras (Língua Brasileira de Sinais).
O meu primeiro contato com o Daniel e suas palavras me deram um choque. Dizia ele: “Você irá ser pastor, então é importante que saiba Libras para pregar a todas as pessoas”. Daí em diante, comecei acompanhá-lo nos evangelismos e nos trabalhos em Vila Medeiros e aprendi Libras.
Certo dia, por curiosidade, perguntei a ele como era ser surdo. Sorrindo me respondeu que era uma pessoa comum, com as mesmas capacidades que um ouvinte. Nem maior nem menor que ninguém. Ficava admirado e perplexo vendo-o dirigir seu carro com autonomia, pois por muitas vezes pensei que o surdo é uma pessoa limitada, simplesmente porque não ouve.
Hoje vejo a pessoa surda com outros olhos, uma pessoa capaz como qualquer outra de executar tarefas. A grande diferença é que o som para a pessoa surda é perceptível nas movimentações dos objetos e das pessoas e nas vibrações. O som para a pessoa surda é perceptível pelos olhos, já a sua fala é emitida pelas mãos.
O modo de ver o mundo da pessoa surda é diferente do ouvinte. A cultura surda está ligada com as imagens. Por exemplo, quando pergunto a uma criança ouvinte como o gato faz, ela irá responder de forma voluntária “Miau Miau”. Como o cachorro faz, ela responderá “Au, Au”.
Se fizer a mesma pergunta a uma criança surda ela irá responder conforme sua cultura surda, de forma imagética. Ela irá atribuir a sua resposta a imagem do gato se lambendo ou um gato arrepiado arranhando, pois ela assim imagina em sua mente. É por esse motivo que a pessoa surda quando está em um ambiente onde há muitos surdos conversando em Língua de sinais sente dor de cabeça. Ou seja, quando há muitas pessoas sinalizando no ambiente o surdo tem uma sobrecarga sensorial, podendo ocasionar dor de cabeça.
Ser uma pessoa surda apesar dessa limitação auditiva não é empecilho para ser um bom cidadão, um bom cristão e constituir uma família. O Daniel é um exemplo para mim, não é um “super-homem” só porque supera suas limitações, pois todo ser humano possui uma limitação, mas é um exemplo pelo seu caráter em sociedade e como cristão. Mesmo sendo surdo é uma pessoa que pode ver o que outro precisa, é uma pessoa que luta pelos seus ideais.
Ele é casado com uma pessoa ouvinte, pessoa extraordinária que estimo muito, e tem um casal de filhos ouvintes. Agradeço a Deus pela oportunidade de conhecer o Daniel, pois com a ajuda de Deus ele transformou minha vida.
Por: Waldemir Júnior
¹Agencia Brasil. Disponível em: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-10/brasil-tem-107-milhoes-de-deficientes-auditivos-diz-estudo#:~:text=Estudo%20feito%20em%20conjunto%20pelo,3%20milh%C3%B5es%20t%C3%AAm%20defici%C3%AAncia%20severa>. Acesso em 11 de Março de 2021.