Se você usou Windows nos anos 90 ou 2000, deve lembrar do velho e bom Campo Minado. Aquele joguinho simples, mas traiçoeiro, onde um clique em falso fazia tudo explodir. Cada jogada era um mistério: o terreno parecia seguro, até não ser mais. Pois é. A vida também é assim, e a comunicação entre gerações talvez seja um dos terrenos mais minados que a gente pisa hoje.
Este artigo é uma tentativa de desarmar algumas dessas bombas silenciosas. É pra você, pai, mãe, educador, avô ou avó, que sente que está cada vez mais difícil entender o que passa no coração e na mente dos nossos jovens. Não porque eles não querem falar, mas porque, muitas vezes, nós não sabemos onde — nem como — ouvir o que está sendo dito.
A memória bateu aí, né? Criado nos anos 80, esse “joguinho” desafiador continua vivo em versões atualizadas espalhadas por dispositivos no mundo todo. A lógica é simples: você não sabe onde pisa (ou clica), e cada movimento pode ser o último. Um passo em falso… e boom — fim de jogo. Mas na vida real, as regras são um pouco diferentes. Ou pelo menos, bem mais complexas.

NOSSO CAMPO MINADO
Agora imagine que o tal do campo minado é nossa sociedade. Os números que aparecem embaixo de cada peça descoberta, são as frágeis linhas dos relacionamentos modernos. E as armadilhas, as temidas bombas, o que são? Antes de responder a isso, me permita te levar a outra memória. Se você tem filhos, como eu, ou sobrinhos, netos e alguma vez já teve dificuldades em se comunicar com eles, sabe o quão desafiador é isso. Parece que as nossas línguas não se batem, não é mesmo? Eles literalmente falam em outro idioma (ou somos nós?). São gírias, abreviações, memes, com uma variedade surpreendente e uma capacidade de reinvenção absurda.
Não falar a “língua” de alguém é, muitas vezes, o mesmo que não saber desarmar uma bomba. Talvez você nunca tenha ouvido falar em termos como Incel, Red Pill, Blue Pill, Alpha, MGTOW… Mas é bem provável que alguém mais jovem aí na sua casa saiba exatamente o que isso significa, ou esteja ouvindo sobre isso agora mesmo, na escola, no YouTube, no grupo de amigos.
Esses termos não são só gírias. São sinais. Códigos. Pistas de como muitos jovens estão tentando entender o mundo, processar frustrações, encontrar um lugar pra pertencer. Se a gente não aprende a decifrar essas peças do quebra-cabeça, corre o risco de só perceber o estrago depois que a bomba já explodiu, quando ideologias perigosas já se implantaram.
A discussão foi trazida novamente à tona pela excelente série ‘Adolescencia’ da Netflix. Na trama, Jamie de 13 anos, se vê imerso (e sugado como numa areia movediça), para esse universo silencioso, e cheio de armadilhas mortais. No caso em questão, ele é vitima de um cyberbullying que o rotula de ‘Incel’. O fato é o gatilho para um crime violento.
O que códigos como ‘Incel’ querem nos dizer?
O termo ‘Incel’ é a abreviação de “involuntary celibates”, que traduzido, significa “celibatário involuntário”. O nome é associado a adolescentes e homens tímidos, que sentem insegurança e por sua vez retraem afetividade e a demonstração dela ao sexo oposto. Se popularizou entre jovens usuários da internet, que frequentemente menosprezam e humilham mulheres, culpando-as pelo insucesso de suas próprias vidas afetivas.
Na trama da série, não são apenas os pais do garoto que desconhecem esse mundo perigoso e cheio de armadilhas que Jamie tentava andar sem explodir nenhuma bomba. A polícia está tão perdida nos detalhes do crime quanto os próprios pais do protagonista. Nem o investigador — que tem um filho da mesma idade, na mesma escola — sabia o que aquele termo significava.
E é justamente esse o ponto que a série quer cutucar: o silêncio, a distância, a falta de conexão entre gerações. A maioria dos pais simplesmente não faz ideia do que os filhos estão consumindo, falando, vivendo.
Então bora virar esse jogo?
Aqui vai uma forcinha pra você (pai, mãe, educador ou responsável), entender melhor os termos, expressões e códigos que fazem parte do universo dessa turma que, muitas vezes, parece falar um idioma próprio.
Ok, mas para que isso?
Assim como numa viagem ao exterior sem saber o idioma local, quem não entende os códigos culturais da juventude corre o risco de não enxergar o que está bem diante dos olhos. Eles estão todos os dias orbitando esse universo e tendo o seu universo orbitado por expressões, memes, gifs, stickers e muito mais. Coisas que sequer podemos imaginar. E sabe o que mais? Algumas dessas expressões, figuras ou coisas aparentemente inocentes, são cruéis.
Vemos muitos pais, rirem de canto, e acenarem com a cabeça, concordando em tom de pouco caso, “Esses meninos(as) de hoje…”. Sem perceber, estamos cada um trancado na sua própria bolha social. E o pior: muitas vezes sem nem ter a quem pedir ajuda. Seguimos andando, distraídos, a um passo de pisar numa mina… e então, boom. Fim de jogo.
E aí vem a pergunta que não quer calar: o que fazer?
Não dá pra acordar amanhã e, do nada, entender tudo o que se passa na cabeça de meninos e meninas de 15 anos (ou menos), que muitas vezes nem sabem o que é viver off-line. Um mundo que pra gente é o “real”, mas que pra eles é quase uma lenda urbana.
Dicas práticas, para você pai!
Primeiro, a ignorância não é mais uma opção! Se não podemos passar a entender tudo do dia para a noite, afinal, nem manual para essas ‘coisas’ temos, não é mesmo? Busque, procure, leia, pesquise. Vai achar muita coisa. E nós pais temos uma vantagem, ou melhor duas, experiência e paciência.
Segundo, não leve tudo o que acontece na vida de seus filhos puramente na brincadeira. Isso pode sair de piada a perigo. Muitos desses termos começam como memes, mas se transformam em radicalizações. Se transformam em ridicularização pública. Uma forma de linchamento, de exclusão. Chamávamos a um tempo atrás de cancelamento, mas o próprio termo já está ficando ‘desatualizado’.
Terceiro, aceite que a internet já é uma sala de aula paralela. Os (nossos) jovens aprendem sobre o mundo nesses espaços — fóruns, vídeos, influencers, e ponto. Daí a necessidade de sermos menos ‘quadrados’. Isso é o mundo deles. Eles estão sendo formados (suas opiniões, gostos, fetiches, desejos) por uma tela, tenha alguém do outro lado, ou não. O que podemos fazer? Minimizar ao máximo. Esse é exatamente o quarto ponto.
Em todas as culturas, em todos os tempos, a comunicação sempre foi a arma mais eficiente para conquistar — ou subjugar — um povo. Mude a forma como eles falam… e pronto. Jogo ganho (ou perdido). Lembra da Torre de Babel (Gênesis 11)? Pois é. O mundo aprendeu a lição rápido.
Isolamento
O que eu proponho aqui pra nossa reflexão é o seguinte: enquanto louvamos, evangelizamos e ensinamos dentro de casa, muitas vezes não percebemos que há, paralelamente, um processo lento, silencioso (mas devastador) de convencimento acontecendo. A ideia que vai se instalando é perigosa: “nossos pais e mestres não conseguem mais nos entender.” O que sobra pros nossos filhos? Escutam, pouco a pouco, uma voz sorrateira que sussurra: “Você pertence só aos que falam a mesma língua que você.” Ou seja, só aos que conseguem entender o que você sente, pensa e vive.
Lembra das bombas que citei lá no começo? Pois é… elas existem e explodem, toda vez que uma relação humana saudável é interrompida. Cada vez que um jovem opta pela vida virtual em detrimento da real. Cada vez que as conquistas on-line valem mais do que as da vida fora da tela. Cada vez que a linguagem escolhida é a do teclado, e não a da conversa olho no olho. E sejamos sinceros: o jogo parece meio desbalanceado, né? A sensação é que estamos sempre perdendo terreno, uma casa por vez, sem saber onde pisar.
Mas, podemos virar o jogo! Logo, entender os códigos é o primeiro passo para zerar o game, e não o confronto. Lembra o que nos diz provérbios 18.21: “A morte e a vida estão no poder da língua;”. Ou seja, o poder de trazer a vida está na comunicação. Temos uma arma poderosa de influência, de convencimento. Sem isso, será como tentar ler uma mensagem cheia de emojis, siglas e gírias que seu filho escreveu no WhatsApp e você ficou ‘boiando’. Essa é a nova realidade. A vida moderna é feita de códigos, e quem não a entende, fica de fora. Todavia, temos o maior de todos os códigos, o único capaz de dar sentido ao jogo da vida. Com o imbatível poder do evangelho, ganharemos a guerra não apenas no campo de batalha, mas nas trincheiras de nossas casas. Avante!
Gustavo Rocha | Casado com Bruna e pai de Samantha e Tito; Pastor de jovens na Promessa Cosmópolis; Trabalha como produtor de conteúdo audiovisual na APC para a TV Viva Promessa; Estudou cinema e ama cinema desde criança.
1 ARKADE. A origem do jogo campo minado e sua evolução. Arkade, 12 set. 2024. Disponível em: https://arkade.com.br/a-origem-do-jogo-campo-minado-e-sua-evolucao/. Acesso em: 22 abr. 2025.