Maria (nome fictício), hoje com pouco mais de 50 anos, veio de uma família que viveu violência dentro de casa. Graças a Deus, ela aceitou Jesus ainda jovem e essa violência não afetou seu relacionamento com os filhos, criou todos com muito amor, bem diferente do que viveu em sua casa. Entretanto, reviveu a violência no relacionamento conjugal; violência psicológica, sexual, patrimonial, moral e física. Corajosamente, Maria aceitou compartilhar sua história aqui com a esperança de ajudar outras mulheres.
Quando os abusos começaram?
Casei-me muito jovem. Desde os primeiros dias de casados comecei a perceber que era uma pessoa bem diferente do que conheci, embora tenhamos namorado muito tempo. Ele era de uma ótima família e realmente não percebia nada de violento ou de estranho no comportamento dele antes do casamento. Já no início do casamento, engravidei. Logo que minha filha nasceu, percebi o primeiro abuso do meu marido. Durante o resguardo ele não admitia ficar sem relação sexual, e me obrigou a isso, mesmo com os pontos. Doeu muito, chorei. No outro dia eu estava com o olho inchado, a mãe dele me perguntou o porquê, mas não falei nada. E essa foi a primeira violência que sofri.
Quais tipos de abuso sofreu?
Aceitei Jesus e meu esposo apoiou, dizendo que iria para a igreja comigo. Ficamos bem por um período. Mas, de repente, ele passou a agir de uma maneira que não consegui entender. Ele não queria que eu saísse com ele. Debochava de mim, da minha aparência, das minhas roupas e não me levava para lugar nenhum com ele por causa disso. Sentia-me agredida psicologicamente.
Quando minha filha ainda era bem pequena, descobri a primeira traição. Eu quis me separar, mas minha mãe e minha sogra não me apoiaram nisso. Diziam que eu não deveria deixar meu marido por causa de “vagabunda”, que conseguiríamos consertar a relação.
Um dia, descobri uma traição por uma carta, que estava escondida num lugar onde só ele mexia. Eu rasguei essa carta e coloquei no mesmo lugar, toda picada. Quando ele chegou e viu a carta rasgada, avançou em mim, a irmã dele tentou me proteger, não deixando acontecer nada. Ele chutava minha perna dizendo que eu havia quebrado algo dele. Eu dizia que não quebrei nada. Ele entrou dentro de casa, rasgou minha bíblia, meu doutrinal, meu Brado, as fotos do nosso casamento, eu fiquei com medo dele. Era domingo e eu fui para a igreja, orei ao Senhor. Havia uma irmã que me ajudava muito, me aconselhava, ela me aconselhou a não o deixar, pois era o inimigo que estava furioso. Meu esposo disse que a partir dali não sabia o que iria fazer comigo. Fiquei com muito medo. Minha cunhada ficava comigo, dizendo para eu ficar tranquila pois o irmão dela não era de violência. Eu queria arrumar minhas coisas para ir embora, ela dizia para eu não fazer isso. E eu fui deixando.
Ele saia e me deixava sozinha com minha filha. Chegava muito tarde da noite, batia na porta e não me explicava nada. Foi um período muito difícil para mim. Mas, eu o amava muito, era apaixonada, não queria deixá-lo.
Com o tempo, a amante dele engravidou, mas ele dizia que o filho não era dele. Foi um choque para mim. Depois ele confessou que o filho era dele. Ele começou a me deixar sozinha e sem nada, saía e levava todo o dinheiro. Minha filha era pequena e ele não me deixava trabalhar. Eu trabalhava de doméstica antes de me casar e ele me obrigou a deixar o trabalho para cuidar da casa, da nossa filha e dele. Daí começaram os abusos. Ele sempre colocava a culpa na igreja. Não me dava dinheiro para nada. Ele mesmo comprava algumas coisas e trazia para casa. Eu não podia comprar nem mesmo meus produtos de higiene pessoal, nem absorvente. Então comecei a vender cosméticos para suprir essas necessidades. Sempre alguém ajudava com roupas, para mim e minhas filhas, nunca andamos maltrapilhas.
Quando faltava o gás, eu me virava acendendo fogo no quintal de casa com pedaços de pau. Fazia a comida para minhas filhas. E tinha que estar pronta a comida para quando ele chegava, senão ele brigava, me chamava de inútil, que eu não trabalhava, que eu não prestava nem para acender um fogo, aí saia e voltava altas horas da noite.
Quando era para eu guardar o sábado (Maria professa fé sabatista), foi muito difícil, pois ele implicava querendo que eu fizesse as compras para o almoço do sábado na sexta à noite. Se eu não aceitasse, ele gastava todo o dinheiro e eu ficava a semana toda sem dinheiro para comprar até leite, frutas para minha filha. Quem me ajudava era minha mãe e minha cunhada.
Eu nunca deixei de participar da igreja por causa dessas coisas. Não comentava muito sobre o que eu passava na igreja, a não ser com uma irmã que também era casada com um homem que não era crente e sofria abusos, mas achava que era normal.
Quando era aniversário das minhas filhas, ele sumia. Todos perguntavam dele e eu não sabia o que dizer. Minha família e a dele eram muito unidas a mim. Ele sempre chegava tarde da noite e se eu perguntasse onde ele estava, me mandava calar a boca pois não era da minha conta.
Eu não apanhei mais vezes, além de uns chutes quando descobri uma de suas traições, pois eu dizia que perdoava tudo o que ele fazia comigo, mas se um dia ele tocasse a mão em mim eu o deixaria e diria a toda a família o que ele fazia. E ele tinha medo disso. Mas, embora eu não apanhasse, eu era muito humilhada, e ficava quieta.
Nessa confusão toda que foi minha vida, eu ainda consegui estudar. Comecei trabalhar muito cedo e, quando me casei, ainda não tinha concluído o ensino fundamental. Depois que eu já tinha passado por muitas lutas, resolvi estudar. Fiz um supletivo para terminar o ensino fundamental. Foi bem sofrido pois o meu esposo não deixava, e depois com as crianças pequenas era mais difícil, pois ele não cuidava delas. Numa fase que o relacionamento estava mais tranquilo, ele deixou eu voltar estudar para fazer o ensino médio. Eu tinha que me virar com o valor do vale transporte para meus estudos e dos meus filhos. Acabei engravidando, e mesmo estudando com muitos enjoos, ele nunca apoiou, nunca usou o carro (que dizia ser só dele) para me levar ou buscar. Mesmo em meio a ameaças, até mesmo em relação aos meus amigos da escola que me ajudavam, estudei até dar à luz. Parei os estudos por um período, mas depois consegui concluir o ensino médio. Ele tinha carro, celular, tudo, mas me deixava até sem gás em casa.
Qual foi o momento mais difícil?
O pior momento de toda essa violência, foi quando engravidei de uma das minhas filhas. Esse homem enlouqueceu, queria que eu abortasse. Trouxe comprimidos para que eu tomasse e abortasse. Eu não aceitei de jeito nenhum. Sofri demais nessa gravidez. Eu desmaiava, ele me deixava sozinha o tempo todo. Minha casa não tinha estrutura nenhuma, era muito simples. Ele não me ajudava em nada, dizia que o bebê não era dele, que era do pastor da igreja. Passei toda a gravidez assim. Ganhei muitas coisas das irmãs da igreja. Tive que trabalhar grávida, de diarista, com filha pequena, também vendendo coisas para me manter. Uma vez fugi dele durante essa gravidez, fui para uma roça, catar café na plantação. Ele ficava indo atrás de mim. Meu pai me disse que eu tinha que ir para a casa com meu marido, perguntou se estava acontecendo alguma coisa e eu dizia que não, mas que eu estava gostando de ficar na roça. Ele exigiu que eu voltasse para minha casa pois era meu marido.
Quando minha filha nasceu, ele me levou de bicicleta ao hospital e me deixou lá. As irmãs dele é que foram me buscar. Eu pedia a Deus que queria sair de lá e ir para outro lugar, pois não queria que ele nem visse minha filha, que era uma menina linda. Mas quando ele chegou e viu, se apaixonou por ela, e hoje ela é muito carinhosa com ele.
Um dia, descobri outra traição. Encontrei um vídeo que ele fez com uma mulher na cama. Mas sempre que eu descobria uma traição, ele mudava, ficava muito amoroso, carinhoso. Eu o amava e gostava disso. Tornei-me dependente demais dele. O mandei embora de casa, mas ele não ia, dizia que ia derrubar a casa toda em cima de nós. Chegou a pegar uma marreta me ameaçando disso. Ajoelhei, orei, peguei a bíblia e li que a palavra branda dissipa toda a fúria. Ele veio com toda fúria, segurei no braço dele e pedi para esperar um pouco, até que tirasse nossos filhos e depois ele poderia derrubar o que ele quisesse. Então ele se acalmou e disse que não iria derrubar mais nada. Ele apagou o vídeo.
Quando tudo começou a mudar? Quando os abusos terminaram? Buscou ajuda?
Um belo dia eu orei ao Senhor, “o Senhor precisa me tirar disso”. Eu fui para igreja com meus filhos e quando cheguei de volta em casa ele estava no portão com uma pessoa. O homem falou “que família bonita!”, ele respondeu “Que nada, vagabunda! Tava com o pastor”. Fiquei com tanta vergonha. Eu entrei, ajoelhei e falei assim “Senhor, faz alguma coisa por mim, faz alguma coisa por esse homem, salva esse homem”. Aí eu abri a Palavra de Deus enquanto ele estava lá fora e li: “Eis que estou a porta e bato, se alguém ouvir e abrir a porta eu entro”. Eu falei “Senhor, ele não vai abrir a porta, então eu entrego meu coração a ti nessa hora, faça alguma coisa por mim então. Eu preciso agir, eu preciso mudar. Eu quero sair disso. Eu abro a porta para o Senhor fazer alguma coisa por mim. Eu não gosto mais desse homem para ficar suportando esse tipo de coisa.”
Bem nessa época, chegou aquele Clarim (revista) sobre dependência emocional (edição 67, de julho a dezembro de 2016). Eu li aquele artigo e foi uma coisa maravilhosa. Eu pensei: vou orar para o Senhor me tirar dessa dependência.
Eu não era uma esposa ruim, mas eu falei para o Senhor tirar minha passividade, eu precisava reagir. Eu disse para ele que não ia mais trabalhar para sustentá-lo. Nessa época eu trabalhava com meus filhos pequeninos na casa dos outros, aí eu falei para ele “eu não vou mais trabalhar, não admito mais que você faça as compras, você vai me dar o dinheiro para fazer”. Enquanto eu trabalhava, tudo ficava por minha conta (luz, energia, comida), eu não conseguia comprar roupa para mim e meus filhos, eu cheguei a ficar com um lençol apenas na cama, uma toalha de banho velhinha.
Eu já tinha aceitado Jesus, mas eu não tinha atitude. Deus foi me tratando. Naquela oração que fiz, Deus transformou alguma coisa dentro de mim. Um dia, eu falei “Senhor, eu vou te fazer uma promessa aqui e vou começar a orar. Se for da tua vontade, o Senhor vai me dar força”. Orei muito, clamei, chorei. O Senhor usou diversas pessoas para falar comigo, em pregações, reuniões de oração.
Eu nunca contava essas coisas na igreja por medo de que as irmãs ficassem com raiva dele e não orassem mais por ele. Uma bobagem. Nunca briguei com ele na frente dos meus filhos. Eles só foram percebendo quando foram crescendo.
As pessoas não imaginavam o que eu passava, pois eu nunca fui de ficar cabisbaixa, sofrida, chorosa. Graças ao meu bom Deus e à minha igreja, eu consegui sobreviver a isso tudo. Não compartilhei tudo, mas contava com as orações de algumas irmãs que sabiam um pouco da minha luta.
Pedi a Deus provas da traição. Um dia ele dormiu enquanto mexia no celular e, como o aparelho ficou destravado (tinha senha), li as mensagens de uma conversa que ele tinha acabado de ter com a amante. Então, solicitei uma reunião com a liderança da igreja e contei tudo. Eles disseram que eu devia ter aberto esse sofrimento todo antes, e me aconselharam sobre o que deveria fazer.
Comuniquei a ele que queria a separação, mas ele não acreditou. Fui à justiça e apresentei para ele os documentos de solicitação do divórcio. Sofri muitas ameaças nesse período, tive medo, mas muita confiança que Deus estava protegendo a mim e aos meus filhos. Chegaram a aconselhar que eu denunciasse as agressões, mas para mim isso era muito difícil, por ser o pai dos meus filhos. Fui sustentada pelas orações de muitas irmãs. A justiça chamou e entramos num acordo. Separamos. Hoje eu perdoei, não tenho mágoa nenhuma dele. Agora vivo aliviada, uma coisa tão gostosa de se viver.
Teve um tempo que eu senti muita culpa. Foi outra parte em que a revista O Clarim me ajudou. Tudo quanto é palavra que vinha, parecia que era para mim: que Deus odeia o divórcio, que não deve haver o divórcio. Palavras que eu ouvia e me faziam adoecer. Eu fiquei tão doente que uma época eu vivia na UPA. Aí Deus foi me tratando. Quando eu li aquela revista que tinha o artigo sobre relacionamentos abusivos (edição 71, de outubro 2018 a março 2019), eu abri a revista um dia e tinha uma frase que dizia “Deus ama a pessoa divorciada” (artigo “Quando o casamento acaba”). Aquilo foi um refrigério para mim. A partir dali eu fui mudando. As irmãs da igreja foi me ajudando. E hoje me sinto amada por Deus e acredito que ele não me condena.
Seu ex-marido mostrava desejo de mudar de comportamento?
Durante os anos de casamento, ele foi na igreja umas 04 vezes, mas não foi de coração. Apenas nos momentos que ele aprontava e eu ameaçava abandoná-lo.
Quando eu descobria as traições e dizia que ia me separar, ele pedia perdão e virava um “santo”, me abraçava, beijava, passávamos uns dois meses bem. Nunca quis ir para a igreja, odiava a igreja, o pastor, e tratava mal às irmãs quando iam orar na minha casa. Ele ameaçava rasgar minha roupa na frente da igreja se eu não o obedecesse e continuasse a frequentar a igreja. Mas, mesmo assim eu ia, e ele atrás falando. Eu entrava na igreja e ele ficava lá fora. E eu não dizia nada a ninguém, pois naquela época essas coisas não eram consideradas violência doméstica, a não ser a violência física até a morte. Então eu achava que não tinha que me queixar. Só ficava orando, clamando a Deus.
Um dia peguei minhas coisas e resolvi ir embora de casa, mas ele pegou meus filhos e não me deixou sair com eles, que se eu tivesse que sair, iria sozinha. Então, mais uma vez eu não fui.
Num outro dia, ele saiu para trabalhar, eu peguei minhas coisas e fui para a casa da minha mãe. Ela não gostou muito, dizia que eu não podia ter deixado meu marido. Ele ficou me perseguindo, parou até de trabalhar. Todos os dias ficava na porta da casa da minha mãe pedindo para eu voltar e dizendo que iria mudar. Então eu voltei, por vergonha por ele estar me perseguindo e dizendo que iria se matar e eu seria a culpada. Quando eu voltei, engravidei. Comecei a conversar com ele e passamos a nos entender como marido e mulher. Ele pontuou meus defeitos e eu os dele, e começamos a tentar mudar, mas tudo tinha que ser sempre vantajoso para ele. Minha única vantagem é que ele não iria mais me perseguir por causa do sábado, mas no domingo eu ficaria com ele e não iria para a igreja. Mas isso durou pouco mais de um mês. Depois passou a me deixar sozinha novamente. Me acusava de coisas que eu não fazia.
Eu orava para que Deus o salvasse, ou eu teria que deixá-lo. Hoje entendo que as mudanças dele, os pedidos de perdão quando ameaçava deixá-lo era tudo mentira.
Qual mensagem você deixa para as mulheres que hoje sofrem com a violência?
Um conselho que deixo para as mulheres: não fique esperando, os planos de Deus não se realizam na vida do outro só por sua causa não. Se Deus tiver que salvar ele, vai salvar longe de você mesmo, não precisa estar casada para Deus salvar ele. Se Deus tiver plano na vida dele, vai acontecer, não fique sofrendo violência. Eu me arrependo hoje por não o ter deixado já na primeira traição, de eu ter ouvido as pessoas, de eu ter esperado o Senhor transformar. Se a pessoa não der lugar, Deus não vai transformar. Não é a sua oração que vai transformar a pessoa. A sua oração vai te transformar, pode te mudar, pode te dar atitude. Não me arrependi de tudo, pois amo os filhos que Deus me deu, sempre quis ter, são maravilhosos, servos do Senhor. Não seguiram o pai, apesar de terem sido bombardeados com o mau exemplo dele.
Estou livre, graças a Deus. Não digo que é bom que um casamento acabe, mas quando vem de um histórico de violência, de abusos tão grande, quando você sai é um alívio. Uma coisa te digo, não espere, nos primeiros sinais de abuso saia, não suporte traição. Traição de marido é horrível, eu fui massacrada durante 30 anos de casamento. Se tive 05 anos de alegria foi muito, o restante tudo infelicidade, construímos nada de bom. Apenas nossos filhos.
Como é sua vida hoje sem os abusos?
Hoje eu trabalho, com o pouco que ganho, tenho conseguido me sustentar e nada tem me faltado. Meus filhos têm um bom relacionamento com o pai. Graças a Deus estou bem, estou feliz, estou livre. Agradeço muito a Deus por ter cuidado de mim.
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