Pr. Junior Mendes: o papel da igreja diante de mais de 500.000 mortes em decorrência da pandemia do coronavírus
De acordo com o painel atualizado no site do governo federal, chegamos, a 514.092 mortes em decorrência da pandemia da Covid-19. São muitas famílias vivendo a dor do luto e um número maior ainda de pessoas que sofreram ou estão enfrentando a angústia e os temores por parentes e amigos internados em leitos de hospitais espalhados pelo país.
O cenário ganha contornos mais dramáticos ao olharmos para a sociedade e a igreja. Indignação de um lado e indiferença de outro permeiam os brasileiros, influenciados e inflamados por uma mídia que, claramente, a depender do polo político, assumiu um lado da história. Na igreja, teorias conspiratórias ganharam força, e uma tragédia pública e mundial, que deveria colocar aqueles que sinalizam o Reino de Deus na linha de frente do suporte, do serviço e do amor às pessoas, tornou-se uma disputa narrativa de quem está certo e quem está errado.
Mais do que uma disputa, neste caso e neste momento, o que precisamos é pensar seriamente em nosso papel, como igreja e como discípulos de Jesus. Duas narrativas nos evangelhos podem nos ajudar, nesse ponto, a compreender nossos papéis externo e interno. A primeira está em João 9. 1 a 5 e aponta para o nosso papel externo:
E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus. Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.
Perceba que, enquanto os discípulos estão em busca das causas da cegueira, Jesus concentra-se naquilo que pode ser feito pelo homem cego. A resposta de Jesus (nem ele, nem seus pais pecaram) tanto encerra a discussão da origem como direciona para a real preocupação do Mestre diante das tragédias e dos sofrimentos dos seres humanos – realizar a obra de Deus. Jesus claramente aponta que, em situações assim, o seu papel é ser luz do mundo, é ser a expressão viva da presença e da misericórdia de Deus para pessoas atingidas por tragédias, independentemente das causas, das origens dos fatos ou dos pecados envolvidos na vida do homem e de sua família.
Temos muito a aprender com Jesus aqui. A igreja precisa se preocupar menos com a origem da pandemia, com as teorias de quem tem razão ou não e se concentrar em seu papel – brilhar como luz, ser referência do amor, da provisão, do poder e do cuidado de Deus para as pessoas que estão sofrendo. Deixemos de lado nossas preferências pessoais e sejamos, como igreja, suporte espiritual, emocional e ativos agentes do Reino de Deus, levando a esperança, o amor e o consolo do Espírito para as famílias próximas de nossas comunidades – dos domésticos da fé ou dos que estão em nosso entorno –, orando pelos doentes, alegrando-nos com os curados que deixam os hospitais e voltam para as suas casas e chorando com os que choram. Não estamos aqui para potencializar as raízes de amargura ou espalhar sementes de ódio e desavenças, mas para fazer as obras daquele que nos enviou, sinalizarmos o Reino de Deus, sermos a luz do evangelho para todas as pessoas.
Quanto à segunda narrativa, destaco somente um verso que nos ajuda a uma reflexão interna: … porque quem não é contra nós, é por nós – Marcos 9.40. Aqui, existe novamente uma preocupação de quem pode falar e agir em nome de Jesus – “os que são dos nossos e os que não são”. Jesus, mais uma vez, desvia a atenção para o mais importante: ele ensina a seus discípulos que aqueles que estão fazendo o bem precisam se solidarizar e se apoiar mutuamente, mesmo que haja discordâncias ou distanciamento de posições. Parece estar implícito que o julgamento da ação cabe a Deus: só ele mesmo sabe as intenções mais profundas de cada um. Mas perceba que Jesus, ao invés de acirrar uma disputa, convida à paz, ao entendimento e, no mínimo, à aceitação.
Sempre que a igreja de Jesus se deixa dominar por brigas e intrigas, mancha o testemunho do evangelho para os que estão sem Cristo. Por um momento, pensemos em um universo menor, mais localizado – a igreja local. Somos a família cristã, o corpo de Cristo visível a algumas pessoas que estão no raio de nossa influência. Que não vejam um corpo dividido, lutando entre si, mas um corpo equilibrado, unido por todas as juntas, operando funcionalmente. Precisamos nos ajudar, ter amor profundo uns pelos outros, para que o mundo creia. Sejamos a presença de Jesus em nossas comunidades. Jesus aponta que, como líderes e discípulos, precisamos focar na ação (dar um copo de água) de servir às pessoas e não brigarmos entre nós.
Realmente não sei como você se aproxima pessoalmente do número de mais de 500.000 mortes durante e por causa dessa pandemia no Brasil. Larguemos os argumentos, deixemos de lado preocupações e posicionamentos que mais ferem as pessoas que nos ouvem externamente e uns aos outros internamente. Lutemos, aí sim, com todas as forças para sermos luz do mundo, para testemunharmos o evangelho com nossas atitudes e nossa unidade. Existem momentos (e este parece ser um deles) em que precisamos falar menos, discutir menos e agir mais em benefício, respeito e amor pelos que sofrem e testemunhar mais do evangelho com palavras e atitudes, que demonstrem que estamos do mesmo lado, do lado de Jesus – fazendo a obra de Deus, servindo às pessoas, alegrando-nos e chorando com elas, habitando na dor dos que sofrem e rompendo as cadeias da amargura e da desesperança com a mensagem do amor, da salvação e do poder de Jesus para a transformação de um tempo tão tenebroso. Que possamos ser catalisadores, no meio de tamanha tragédia, da presença de Deus e que os homens e as mulheres vejam nossa luz e vejam nossas boas obras e glorifiquem ao Pai que está nos céus (Mt 5.16).
Pr. Junior Mendes | Secretário da Convenção Geral das Igrejas Adventista da Promessa e líder do Movimento Radiação (projeto piloto de missão urbana da denominação)