Quando ele estava sem nada, ele encontrou tudo
O livro de Jó nos mostrar a história real de um homem que teve todos os motivos para blasfemar contra Deus ou então negá-lo ou abandoná-lo, mas decidiu seguir confiante, reconhecendo que Deus é soberano e que tudo o que sucede aos homens é vindo da parte de Deus. Tal história tem sido estudada por vários teólogos e historiadores que buscam entender como pode um ser humano permanecer fiel em momentos de crises. Muitos chegam a afirmar que o livro de Jó relata apenas uma história fictícia, pois seria impossível para um ser humano permanecer com uma vida íntegra em meio a tanto caos e desgraças. O que é colocado em jogo no livro de Jó é se há uma expectativa por parte de nós, seres humanos, em obter algo de Deus, como uma recompensa diante de nossa devoção a Deus?
Quando começamos a ler o livro, podemos perceber claramente que há uma conversa acontecendo entre Deus e Satanás. Quando Satanás diz para Deus que estava vindo da Terra, depois de ter andado por ela, Deus lhe pergunta se ele havia visto o servo Jó. Perceba que quem coloca Jó na conversa é o próprio Deus. O Criador faz um testemunho maravilhoso acerca do seu servo. Deus chega a dizer para Satanás que Jó era uma homem reto, temente a Deus e que se desviava do mal. Deus começa então, a elogiar Jó, por sua bela conduta e devoção.
Ao ouvir toda explanação feita por Deus, Satanás faz um questionamento que não mexe apenas com Jó, mas com todos que se declaram cristãos. Será que nossas motivações em relação a Deus têm sido puras? Será que temos nos aproximado de Deus com um coração carregado de interesse? O que é colocado em jogo por Satanás é se Jó está sendo fiel porque realmente ama a Deus ou se ele obedece a Deus simplesmente por que tem tudo o que precisa, até porque Jó possuía propriedades, filhos e filhas, casa etc.
Mesmo com a afirmação de Deus, Satanás ainda continua insistindo com a ideia de que Jó é fiel apenas porque tem tudo o que precisa. Surge então uma aposta. Satanás pede para que Deus tirasse tudo que pudesse motivar Jó nesta vida. Todas as suas posses e bens afetivos que pudessem provocar em Jó algum sentimento de gratidão. Deus sabia que Jó era temente por devoção e não por barganha, portanto Ele aceita a aposta. Em pouquíssimo tempo, tudo o que Jó possuía foi reduzido a nada. Suas propriedades foram saqueadas e queimadas. Seus filhos e filhas foram mortos. Todas as suas posses foram aniquiladas. Mas mesmo com tudo isso acontecendo, Jó afirma que Deus é soberano sobre tudo e todos, e se foi Deus quem deu, Ele também pode tirar.
Jó olha para si mesmo e percebe que assim como veio, nu do ventre de sua mãe, nu ele voltaria e que, comparado a Deus, não somos absolutamente nada. Ao ver a atitude de Jó, Satanás mais uma vez se achega perante Deus e lhe diz que Jó permanece fiel, pois ele tem saúde. Então Satanás pede permissão para tocar na pele e nos ossos de Jó. Mais uma vez, Deus aceita a aposta. Deus apenas determina que Satanás não tirasse a vida de Jó. Logo após isto, Jó é atacado por uma lepra que toma todo o seu corpo. Agora sem filhos, sem casas, sem bens, Jó se encontra também doente com uma das piores – senão a pior – doença de sua época. O que poderia causar revolta no coração de Jó, é o fato de Deus se calar quando tudo isso começa a acontecer. Jó poderia muito bem começar a murmurar, perguntando a Deus onde é que Ele estava, ou então, perguntar sobre qual seria a causa de todo este sofrimento. Jó entendia que tudo procede de Deus e que Ele, em sua infinita graça e poder, poderia, se fosse da sua vontade, tirar Jó do meio de toda aquela cena terrível. Mesmo com Deus calado, Jó permanece fiel. Até agora, Deus está ganhando a aposta.
Todo este sofrimento que Jó passou o fez pensar em tudo que lhe motivava. Distante das bênçãos e da presença evidente de Deus através de coisas e bens, agora Jó se depara com uma realidade nunca provada por ele antes. Agora ele não tem nada. Ele se encontra solitário e vazio, ele acha um lugar de solitude. É neste contexto que Jó pôde se esvaziar de todo o egoísmo que poderia haver em si e se encher mais de Deus. Em todo este cenário de desolação, Jó pode, cada vez mais, entrar em seu coração, analisando realidades espirituais que até então eram despercebidas. Foi exatamente quando ele estava sem nada que ele encontrou tudo.
Surgem na história os amigos de Jó. Estes têm papel imprescindível no desenrolar do contexto. Os amigos de Jó vão nos apresentar uma realidade também vivida por nós. O questionamento por parte deles a Jó é que Deus abençoa o justo e amaldiçoa o ímpio, logo, Jó havia pecado. Tanto Jó como nós, sabemos que ele não havia cometido pecado, pelo menos não que justificasse tal sofrimento. Sabemos que tudo o que está acontecendo é resultado de uma aposta de Deus e Satanás. Quando seus amigos lhe apresentam tal hipótese, vemos aqui mais uma forte arma que dá à Satanás mais um ponto. Com esta afirmação dos amigos, Jó é desafiado a confessar seus pecados para que Deus o abençoasse novamente, mas se Jó fizesse isto, Satanás teria uma vitória certeira nesta aposta, pois assim, poderia afirmar que Jó apenas adorava e amava a Deus pelo que Deus podia oferecer. Embora Jó concordasse, em partes, com este pensamento de que Deus abençoa o justo, ele permanece fiel a Deus mesmo sem saber os motivos que o levaram a tal sofrimento.
Após todas estas acusações por parte de seus amigos, Jó ouve a voz de Deus depois de muito silêncio. Jó perguntava o tempo todo sobre os motivos de seus pecados, mas agora, quando Deus fala com ele, não lhe apresenta os motivos de seus pecados, mas faz com que Jó pense na soberania de Deus. Todas as falas de Deus para Jó revelavam que Deus não se enquadrava em nenhuma teologia criada por homens. Deus não se limita a pensamentos e ideologias humanas. Ele é o soberano e está acima de todos os pensamentos que venhamos a ter. Diante do posicionamento de Deus, Jó não resiste e se rende. Ele escolhe ser fiel mesmo assim e se lança nos braços de Deus, reconhecendo que antes, ele conhecia Deus por palavras, mas agora Jó o conhecia, pois havia andado com ele.
Agora, após ver esta conduta de Jó, me questiono sobre a quantidade de cristãos que lotam os templos. Igrejas cheias de pessoas vazias de Deus. Pessoas que estão se achegando à Deus apenas pelos benefícios que Ele pode oferecer e não pelo que Deus é em essência. Nosso desafio é buscar nos aproximarmos a Deus, adorá-lo e amá-lo pelo que, de fato, Ele é. Ele é Deus e isso nos basta.
Lucas Timóteo Moraes é seminarista, da Convenção Paranaense