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Perdas e Lutos
A vida é cheia de fins e despedidas. Mas, os finais de algumas coisas, em geral, indicam o início de outras. Um bom exemplo são as fases da vida. Ao nascer perdemos o conforto e o aconchego uterino, mas ganhamos a possibilidade de ver a luz e respirar por nós mesmos. Depois perdemos a comodidade de ser carregado no colo e ganhamos a possibilidade de ser livres e andar com as próprias pernas. Perdemos os privilégios e a dependência da infância, mas, aos poucos, vamos ganhando a liberdade e a responsabilidade do adulto. Perdemos o vigor da força e da beleza física do jovem, mas ganhamos o acúmulo da experiência e a capacidade de ver o que antes não conseguíamos. E assim por diante.
Isso sem contar com as perdas do dia a dia. Um objeto perdido, algum item que nos foi roubado ou alguma coisa destruída, alheia à nossa vontade, como a quebra de algo valioso. Temos também as despedidas da natureza. O dia termina, para que a noite se inicie, e vice-versa. A primavera se vai, para que o verão chegue.
No entanto, temos dificuldade em nos despedir do que se foi e muitos ficam tão presos ao que já está morto ou desaparecido que se tornam incapazes de elaborar toda a dor da perda para conseguirem reorganizar as próprias vidas e enxergarem o novo que pode surgir.
As perdas ocasionam tristezas e exigem um desapego dolorido que podem desembocar no luto. Isso é verdadeiro para pequenas e grandes coisas, até chegarmos à experiência das perdas da vida: alguém que morre. Mas quem não sabe se despedir das “mortes” pequenas terá muito mais dificuldade em se despedir de grandes perdas, como as que ocorrem nas catástrofes, ou das pessoas, quando a morte chega.
Nem todos passarão pelo horror de tragédias como enchentes, furacões e acidentes. Mas, com certeza, todos nós passaremos pelo desconforto de pequenas perdas e pela dor horrorosa da perda de alguém querido pela morte. E é muito mais desesperador e dolorido quando a morte nos surpreende ou acontece de maneira precoce, como no caso de pais que perdem filhos.
Elisabeth Kluber Ross, médica que passou anos acompanhando portadores de doenças chamadas “terminais” e famílias enlutadas, em seu livro Sobre a morte e o morrer, afirma que, no processo do luto, passamos pela negação, pela raiva, pela barganha, pela depressão para, finalmente, nos adaptarmos à nova realidade.
Penso que estas frases não acontecem nesta ordem e desta forma para todos, mas posso afirmar que é preciso passar pelo desencanto que as perdas geram.
Quando conseguimos nos despedir de algo ou da pessoa que se foi, teremos mais recursos para dar um novo significado à vida.
O que fazer, então?
A primeira etapa é tomar consciência da realidade da vida e da finitude do corpo. Se estamos conscientes de que a cada dia que passa caminhamos para a nossa própria finitude, temos também a consciência de aproveitar melhor cada momento da vida. Somos todos terminais. Mesmo para os que creem na ressurreição – e eu creio – há o dia em que a vida que temos neste corpo tem seu fim.
Tomar consciência do nosso fim pela morte não é viver em um clima de morte antecipado. Pelo contrário, é estar certo da realidade de que a vida, como diz o salmista, é como a erva que hoje está linda e amanhã já pereceu (Sl 103.15,16).
É escolher fazer as coisas que valem a pena, enquanto temos força e saúde. É escolher gastar o tempo com o que é eterno. Só Deus e as pessoas, depois de ressurretas, são eternos! Não é preciso ter um câncer para mudar o foco da vida.
Tanto os portadores de doenças terminais como os saudáveis caminham para o final da vida aqui. Então, que saibamos viver bem, a cada dia.
O segundo passo é não temer entrar em contato e sentir toda a dor de uma perda. Seja ela pequena ou grande, próxima ou distante. A promessa divina é que teremos o consolo quando andarmos no vale da sombra da morte. Mas é no vale que o consolo nos espera. É preciso entrar no vale e atravessá-lo.
Há vários relatos bíblicos nos quais encontramos pessoas sofrendo diante da perda ou da possibilidade da perda. Jó sofreu desesperadamente quando perdeu seus filhos e seus bens materiais, a ponto de amaldiçoar o dia do seu nascimento (Jó 3.3). O sofrimento dele era tanto, diante de tantas perdas, que seus amigos chegaram e ficaram sete dias ao lado dele em silêncio (Jó 2.13).
O rei Davi, segundo o relato de I Samuel 30, antes de ser coroado rei, teve seus bens saqueados e sua família sequestrada pelos amalequitas, quando estava ausente do seu acampamento montado em Ziclague.
Quando voltou e viu o estrago feito e a intensidade das suas perdas, chorou em alta voz até não ter mais forças (v. 4). Mas depois deste choro, suas energias foram refeitas e ele foi atrás de seus bens e do resgate da sua família (v. 9).
Cristo Jesus chorou e identificou com o sofrimento de Maria quando Lázaro, seu irmão, morreu (Jo 11.35). Ele não disse nada para Maria, apenas chorou com ela. Forte não é aquele que esconde ou camufla sua dor, mas é aquele que tem coragem de expressar seu sofrimento e seu desamparo na hora da dor pela perda.
Além do mais, o sofrimento camuflado ou negado vai surgir na vida pessoal, sob a capa de outro nome. Pode ser uma doença física, emocional ou mental, que é desencadeada tendo como propulsores a tristeza e o luto negados.
Como lembra o cantor Fagner, em sua canção Revelação, diz: “sentimento ilhado, morto e amordaçado, volta a incomodar”.
Quem aprende a experimentar o próprio sofrimento advindo das perdas terá mais recursos para caminhar com qualquer pessoa que esteja passando pela dor do luto e ajudá-la mais eficazmente.
A melhor forma de auxiliar alguém enlutado é perguntando para a própria pessoa sobre o que ela mais precisa naquele momento, respeitando o desejo expresso, sem abandoná-la.
Há também pessoas que, quando passam pelo luto, entram em uma dor tão profunda que necessitam de alguém por perto, que a veja e dê a ajuda necessária, até que o sofrimento diminua. Um bom exemplo é a história da viúva de Naim, mãe do jovem, filho único, que veio a falecer (Lc 7.11-17). A dor dela era tanta, que ela não conseguiu ver que Cristo passava por ali. Mas Cristo, que em quase todos os milagres perguntava se a pessoa queria ser curada, ou o que a pessoa desejava, dessa vez, toma a iniciativa, e caminha na direção da mulher enlutada.
Finalmente, penso que, em geral, não é preciso dizer muito para uma pessoa que atravessa o luto. Mais importante do que dizer alguma coisa é ouvi-la e, se for possível, fazer como Cristo: chorar com ela.
Esther Carrenho é psicóloga clínica, teóloga e autora do livro Depressão: tem luz no fim do túnel publicado na edição 66