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Preconceito linguístico Um pecado (da) capital

Esther Braga
Oi, pessoal, trouxe mais uma questão pra vocês me ajudarem. Vocês sabiam que o preconceito mais latente em nossa sociedade não é o racial? Na era do bullying, o preconceitoque se prolifera nas grandes cidades é o linguístico.
Um grupo muito grande de estudiosos da língua (e outros tantos profissionais das diversas áreas que não sei por que “metem o nariz onde não são chamados”) se acha “dono da língua” (e da verdade); acredita em um falar certo e em um errado, além de usar outros adjetivos pejorativos ao que considera erro: língua tosca, feia, de jeca… Um absurdo!
Felizmente, esse é um dos maiores engodos que se alastram na sociedade – bom por ser engano; ruim por darem crédito a tal aberração.
Pessoas de todas as classes admitem que um falante nativo (no caso do português) fale “errado” sua própria língua. Como isso é possível? Gostaria de ser esclarecida sobre isso. Preciso que me expliquem sobre esse fenômeno, afinal estudei anos na universidade, fiz diversas pesquisas nessa área de atuação e não “esbarrei” em nenhuma “língua portuguesa errada”.
Preocupa-me também a proliferação dessa “doutrina” no meio evangélico. Sendo nós, servos de Deus (Jo 8:44), seguidores de Jesus, não podemos cultivar tamanho preconceito.
Mas, vamos começar pela história da nossa língua: nascemos na região do Lácio, antes de evoluir e chegar ao Galaico-português e, posteriormente, português; éramos Latim (mais precisamente – latim vulgar). O latim deu origem às línguas românicas (ou romance) da qual temos a língua portuguesa.
Como vocês perceberam, a língua EVOLUI (nunca regride ou degenera como dizem alguns desinformados preconceituosos) e, com a evolução, vêm as mudanças. O que era ontem ecclesia passou a ser igreja*; plaga > praga; sclavu > escravo… Como podemos discriminar quem diga “frauta”, “pranta”, “ingrês” se por meio desse fenômeno a língua portuguesa evoluiu?
E se a história não convenceu vocês, pensem em um dos mais famosos escritores portugueses, considerado um artista ímpar na arte de escrever, o poeta Luis de Camões, a quem até hoje os portugueses prestam sua reverência pela escrita “correta”. São dele os versos que transcreveremos abaixo. Camões, em sua imortal obra “Os Lusíadas”, utilizou as mesmas palavras que acabamos de citar:
“E não de agreste avena, ou FRAUTA ruda” (canto I, verso 5)
“Era este INGRÊS potente, e militara” (canto VI, verso 47)
“Nas ilhas de Maldiva nasce a PRANTA” (canto X, verso 136)
Isso é somente uma parte do que podemos perceber de evolução, exemplos que os ignorantes no assunto não tomam para explicar a língua que vive em função de seus usuários; são os falantes que determinam o que é “normal”, norma… não um livro arcaico ou uma espécie de bíblia linguística que os “dinossauros” da linguagem carregam embaixo do braço e fazem dela um livro de cabeceira.
A dinamicidade da língua é algo fabuloso, vocês não acham?Já é tempo de abrirmos a mente e entendermos o processo da linguagem antes de sairmos por aí tachando de certo e errado aquilo do qual não temos conhecimento. E aí… o que vocês me dizem
* O fenômeno da troca do “CL” por “CR” ou qualquer outro par assim constituído, é natural desde a transportação do latim para o português. Hoje há quem fale “frauta”, “pranta”, “ingrês”.
Mestre em Linguística, especialista em Língua Falada e Ensino do Português, professora há 21 anos e aluna da Faculdade de Teologia Adventista da Promessa (FATAP) – Extensão Norte. E-mail: bragaesther@hotmail.com

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