Dois seres em um

Nos teatros, usava-se uma máscara chamada “persona”, que é uma palavra italiana derivada do latim para um tipo de máscara. A psicologia usa o termo “persona” para definir a função psíquica relacional voltada ao mundo externo, ou seja, é o que somos por fora, é o que vendemos aos outros acerca de nós. Existe uma necessidade de vender uma imagem acerca de si mesmo a qual está, quase sempre, ancorada nas coisas que se fala, na maneira de se vestir, nos bens que são ostentados e na maneira de se comportar. Em resumo, “persona” é o que somos por fora, é a nossa personalidade.
Mas, quando pensamos em caráter, nos remetemos ao que somos por dentro. É aquele ser que existe em nós que, de fato, encaramos no silêncio do quarto ou nos desertos da vida. Caráter é sua índole, sua natureza pelo que você é por dentro. Davi, pensando em seu caráter, faz uma oração a Deus e diz o seguinte: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos” – Sl. 139:23.
Coração no hebraico é: לבב lebab, significa o homem interior, sua mente, vontade, coração, alma. Davi não tem a menor preocupação em impressionar a Deus. De fato ele procura ser autêntico, sem máscara alguma, diante das mentiras e enganos que nele existem. Quem é esse que existe dentro de nós, que nos dias de culto põe a “roupinha de ver Deus” e vai ao templo, pensando enganar ao Senhor como aos irmãos, falando o que não vive, pregando e “teologando” empolgadamente, sem nunca ter experimentado a realidade do evangelho na vida íntima e pessoal? Quem é esse que existe dentro de nós que canta empolgadamente nos cultos e durante a semana cobiça, adultera, inveja e mente, como se isso já fizesse parte da vida da vida “secreta” e “íntima”? Quem é esse que existe dentro de nós, que vive o “transtorno de personalidade aparente”? Quem é esse que existe dentro de nós, com suas máscaras, tomando forma ao ponto de conseguir adorar ao Senhor com o coração carregado de mágoa, ressentimento, ódio, desprezo, ciúmes e sordidez? Quem é esse??? Quem é esse que vive se escondendo por trás das máscaras?
As duas perguntas que devem provocar verdadeiro pânico e desespero em nós são: a quem Deus procura na terra para serem os seus verdadeiros adoradores? Os que tentam impressionar pela roupa que vestem, pelas coisas que falam ou pelo cargo que possuem? A resposta é simples. Quem Deus procura é uma gente íntegra no caráter, segundo o evangelho de João 4:23: “Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores”. Nos íntegros e sinceros existe um ser dentro cuja máscara não consegue esconder; é esse ser que faz a adoração tornar-se verdadeira. A segunda pergunta é: diante desse caos existencial, quem se salvará, afinal? A resposta é muito simples e absurdamente desesperadora em Hb 12: 14: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.”
A palavra santificação no grego é αγιασμος (hagiasmos), que significa santificação de coração e vida, ou seja, o que somos por dentro e não o que aparentamos com o discurso de “santificação” eclesiológico e teórico para impressionar os ouvintes com nossas máscaras.
Então, o que deveria nos fazer perder o sono, seria a existência dessas duas pessoas dentro de nós, a de fora e a de dentro. A quem o Senhor quer como adoradores e servos? Vejamos apenas três textos bíblicos para concluirmos.
Tiago 1:8 – “… homem de ânimo dobre, inconstante em todos os seus caminhos.”
Tiago 4:8 – “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros. Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração.”
A palavra para “dobre” no original grego é διψυχος (dipsuchos), que significa: duas almas, duas pessoas, mente dupla, vacilante, incerto, duvidoso, de interesse dividido. Tiago descreve a figura de uma pessoa que usa máscara na igreja ou em público sendo uma, e outra quando está na intimidade da vida, no secreto, sem máscaras, no deserto onde está a sós, e precisa encarar a si mesmo com suas incongruências, contradições e antagonismos.
O outro texto que podemos analisar é o de Apocalipse 3.15, quando Jesus fala à igreja de Laodiceia: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente!”
A palavra no original para “obras” é εργον (ergon). Ergon tem um significado bem apropriado à vida íntima, secreta, pessoal, podendo ser traduzido como a mente. Nesse caso, o escritor poderia ter usado a palavra “ergonai” que seria melhor traduzido para a vida pública e não à vida íntima, só que Jesus não está interessado pelo que fazemos publicamente com uso das máscaras mas sim, pela nossa vida íntima, secreta, pessoal, que ninguém está vendo.
Portanto, tiremos as máscaras da hipocrisia, do fingimento, do sensacionalismo eclesiástico, desse ser que é o que não é. Oremos para que Deus nos livre do transtorno de personalidade “aparente”, ancorado em figuras ou tipos carregados de aparência com exteriorização religiosa daquilo que não é segundo o coração de Deus. Vigiemos para sermos íntegros e sinceros em tudo.
Tiago 1:4: “Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.”
Filipenses 2:15: ”… para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo.”
A palavra sincero no grego é ακεραιος (akeraios), que significa mente sem misto de maldade, livre de malícia, inocente, simples.
Que Deus nos desmascare enquanto há tempo!
Pr. Irgledson Irvson Galvão é tesoureiro da Região Paulista e pastor da IAP em Jardim Aeroporto (Campinas – SP).