Aquele “fale mais sobre você” que salva vidas (parte 2)

O suicídio é causado por multifatores, somente associá-lo a uma causa é reducionismo. O sofrimento é sua maior causa, ainda que nenhum dos fatores citados seja percebido. Certamente a maior das causas é o silêncio. O não falar sobre a dor.
Ao longo da vida, em geral, aprendemos a calar nossos sentimentos, nossas dores e fraquezas. Muitos podem ter ouvido após uma chateação na infância “Engole o choro”, e os meninos “Pare de chorar, pois homem não chora”, e ao se machucar “Não foi nada, não precisa chorar”. Fomos ensinados a não sentir, a evitar sofrimento e não nos demos conta do quanto isso causa frustração. E ao crescer fomos sedimentando este comportamento com medo ou vergonha de expor nosso interior, que nem sempre estava pleno e bem resolvido.
Tereza Gouveia diz: “Nós adoecemos nas palavras não ditas, nas dores não sentidas, nas lágrimas não permitidas, na permanência em lugares frios e incômodos, no silêncio consentido, no silêncio imposto, nas tristezas camufladas”. Vamos aprender a legitimar a dor e o sofrimento, pois são inerentes ao ser humano. Portanto, fale mais sobre você. Seja transparente. Quanto mais você fala, mais aprende a traduzir sentimentos.
Foi feita uma pesquisa em que se dividiu dois grupos de risco para suicídio. Um deles fez o tratamento padrão e o outro também, somando a isso, estas pessoas do segundo grupo recebiam uma ligação periódica para saber como estavam. Neste segundo grupo o número de suicídios foi bem menor. Isso quer dizer que as pessoas de grupos de risco precisam de conversas acolhedoras e sem crítica.
Esta é uma excelente dica para você que vai se dispor a partir de hoje a ajudar pessoas em sofrimento. Escute as pessoas, mesmo sem saber o que dizer (melhor que usar frases clichês que podem ao invés de ajudar negar o sentimento da pessoa), às vezes não há muito o que se falar. Não deixe o copo dela transbordar. Uma conversa de 20 minutos pode livrar uma pessoa que caminha em direção ao suicídio. Vá em direção ao outro. Sua escuta, presença e oração podem fazer diferença.
Você pode ajudar, mas não é onipotente. As escolhas sempre serão da pessoa. É preciso respeitar essa pessoa em sofrimento, pois costumamos não tolerar a falta de sentido do outro. A pessoa em sofrimento precisa pedir ajuda e aceitar. As famílias precisam igualmente de ajuda, pois é difícil ouvir a dor de um filho, de um cônjuge e não saber encarar. É importante entender que não se pode obrigar alguém a falar, mas podemos nos colocar à disposição.
Precisamos conversar mais sobre o sentido da vida, sobre nossas razões para continuar vivos, sobre pertencimento, sobre missão no mundo. E ajudar a pessoa em sofrimento a entender que por mais que não veja sentido, não quer dizer que ele não exista. E ajudar a observar as dores pelas quais passou e sobreviveu a elas. Ajudá-las a entender que tentamos apostar nossas fichas existenciais em lugares, coisas e crenças que não podem nos dar sentido.
É possível que pessoa em desespero ao verbalizar suas dores e ideias suicidas, ressignifique a sua existência e não transforme suas ideias em ato. É possível que veja significado em sua vida.
Adolescentes e jovens precisam ter ao lado adultos que o ajudem a falar sobre sentimentos e a refletir. Aquele discipulador disposto a ajudar no amadurecimento. Os pares, os iguais também são fundamentais com presença e afeto.
Quem verbaliza sua intenção ou tenta se matar, não o faz para chamar atenção. Mas nos dá pistas de que precisa de ajuda. Nosso apoio pode ajudar, mas é preciso buscar tratamento médico e psicológico. É bom que se diga que não há problema algum nisso. Por conta de preconceito aos transtornos mentais há muita gente adoecendo cada vez mais. Não é fraqueza moral buscar ajuda, é sinal de força e busca de saúde e qualidade de vida. Cristãos também precisam buscar ajuda, passou o tempo de termos preconceito.
Há atendimento gratuito nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Para os momentos de muita angústia e ausência de pessoas para ajudar ou com as quais queira falar, existe o Centro de Valorização à Vida (CVV), você pode ligar para o número gratuito 188 ou acessar o chat no endereço cvv.org.br. Estou disponível para quem precisar de um ouvido (Facebook ou Instagram). Se você acredita que está adoecendo, não se deixe chegar ao estágio da morrência, procure ajuda antecipadamente.
Para encerrar, queria dizer que sofrer é algo comum à vida. Muitos personagens bíblicos chegaram a desejar a morte, como Moisés, Elias, Jó, Jonas. Um deles disse a famosa frase “Para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fl 1:21). E muitos de nós cristãos, poderíamos justificar o desejo de morrer para estar com Cristo, como disse Paulo. Contudo Paulo sabia que sua vida estava nas mãos de Deus que o comissionou. O desejo de Paulo era em função de estar mais perto de Jesus, que dera a ele todo um sentido de vida, entretanto, Paulo sabia que sua missão na terra iria durar até o momento em que Deus quisesse.
Quem precisava morrer já morreu: Cristo. E devido à sua morte, fomos libertos da morte física, espiritual e eterna. Estamos vivos pela graça de Deus que enviou seu Filho para nos salvar da morte. E nos tornou membros de sua família, nos deu senso de pertencimento, você é um filho amado de Deus. Você consegue entender este plano? Jesus trocou sua vida em favor da nossa. E nos deu uma missão, levar essa vida ao mundo morto em delitos e pecados, distante de Deus. Para todos estarmos com ele, sem dor, nem sofrimento, mas plenitude e paz. Então, em Jesus encontramos respostas para os nossos questionamentos existenciais: “De onde vim?”, “Quem sou?”, “Por que estou aqui?” e “Para onde vou?”. Sua existência faz sentido e pode levar significado a outras vidas.
Virginia Ronchetti é psicóloga e congrega na IAP em Jales (SP).
Referências
https://www.youtube.com/watch?v=rNG-zV2YHD4
https://www.youtube.com/watch?v=ZhjWXNAxfDg
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/09/brasil-registra-11-mil-casos-de-suicidio-por-ano-diz-ministerio-da-saude.shtml
http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/cidades/suicidio-e-a-segunda-maior-causa-de-morte-entre-os-jovens/?cHash=d49c717862a27c7e9a6bf852a1f5a24c
https://www.cvv.org.br/blog/setembro-amarelo-mes-de-prevencao-do-suicidio/
https://drauziovarella.uol.com.br/podcasts/entrementes/entrementes-01-suicidio/
https://www.b9.com.br/67133/mamilos-82-suicidio/
https://www.ultimato.com.br/conteudo/oms-quase-800-mil-pessoas-se-suicidam-por-ano
http://ultimato.com.br/sites/jovem/2016/09/12/por-que-ha-tantos-suicidios-entre-os-jovens/
https://www.huffpostbrasil.com/2018/09/10/o-suicidio-na-adolescencia-e-o-desespero-de-fazer-a-dor-parar_a_23522509/?ncid=tweetlnkbrhpmg00000002

Aquele “fale mais sobre você” que salva vidas

São 800 mil pessoas que se suicidam por ano no mundo, uma morte a cada 3 segundos. Destas mortes, 75% acontecem em países pobres ou em desenvolvimento. No Brasil, por volta de 11 mil pessoas se suicidam por ano, isso significa 32 por dia, uma a cada 45 minutos. E para cada pessoa no Brasil que se suicidou, estima-se que 20 tentaram o mesmo. Mais homens se matam, porém mais mulheres se engajam em tentativas. O Brasil é o 8° país em número de mortes por suicídio. E o suicídio é a 2° maior causa de mortes entre jovens de 15 a 29 anos. Enquanto no mundo a taxa de suicídios diminuiu em 31% o número de mortes, no Brasil, aumentou em 11%.
O mais triste que constatar estes dados, é saber que 90% destas mortes poderiam ser evitadas. Tendo isso em vista, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu o dia 10 de setembro como dia mundial de prevenção ao suicídio. E, por esta razão, discutimos este tema, que por muitos anos foi considerado tabu, especialmente em ambientes religiosos, onde era considerado pecado. Hoje entendemos que a discussão deste assunto, sem sensacionalismo ou romantização, é benéfica.
Todos nós, talvez, já tenhamos pensado na morte como possibilidade. Às vezes, sentimos essa ambivalência entre querer morrer e querer viver. Entramos em abismos existenciais e percebemos que a vida não faz sentido. Alguns saem destes abismos, outros não. Isso poderia gerar em nós profunda empatia pelo que está em sofrimento e não um olhar de recriminação ou crítica.
A pessoa que pensa em morrer sentiu seu copo transbordar, devido às feridas, adoecimentos, baixa autoestima, perdas e frustrações. E com a percepção em desequilíbrio entendeu que tirar a vida era uma saída. Sentiu-se em desespero, desamparo, desesperança e possivelmente depressão. De tanto sofrimento entrou em processo de morrência, um processo de definhar físico e emocional em que não sentia mais prazer na existência. A morte se tornou possibilidade, não pelo desejo de morrer, mas pela vontade de matar a dor. Um ato definitivo para uma dor temporária. O suicídio foi um ato de comunicação, um pedido de socorro, um grito: “Olhe para mim”.
Quais seriam as razões para uma decisão tão drástica? Possivelmente as características do nosso tempo. Essa visão de mundo triunfalista, em que precisamos ser pessoas de sucesso (que juntou seu primeiro milhão até os 30 anos ou abriu uma Startup incrível), obrigatoriamente felizes (corpos perfeitos, relacionamentos amorosos apaixonantes, mil viagens feitas). Não se aprendeu a lidar com fracassos, insucessos e frustrações e as redes sociais esfregam enganosamente em nossos rostos pessoas na contramão do que virou nossa vida.
Queremos tudo aqui e agora, não esperamos nossa vida desenrolar no devido tempo. E como imediatistas não suportamos o sofrimento passar. Somado a isto, nos tornamos individualistas isolados, acompanhados apenas pela Netflix. Há carência de relacionamentos significativos, em que podemos abrir o coração e compartilhar dissabores.
Neste contexto não falamos sobre nós, nem enxergamos as pessoas à nossa volta, que dão sinais de que seu mundo não anda bem. Diferentemente do que se acreditou por muito tempo, as pessoas pedem socorro de alguma forma. Os sinais ou fatores de risco são:
·       Verbalização de inutilidade (Não faço nada que preste), de pessimismo em relação ao futuro (Minha vida não vai mudar), de auto pejoração (Não sirvo para nada). É mito que quem quer se matar não verbaliza;
·       Mudança abrupta no comportamento (Deixar de fazer algo que gostava, isolamento, ausência de autocuidado, etc);
·       Transtornos mentais: Depressão, Transtorno Bipolar, etc;
·       Uso de álcool e drogas;
·       Tentativa prévia;
·       Mulheres que sofreram violência;
·       Viúvos.
Virginia Ronchetti é psicóloga e congrega na IAP em Jales (SP).

Por que pastores se suicidam?

Não podemos ignorar nossas fragilidades da alma
 
 “Chama-se suicídio a toda morte que resulta mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima.”
(DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. Tradução Andréa Stahel M. da Silva. São Paulo: EDIPRO, 2014. Págs. 13-15 e 391.).
Por que se suicidam os cristãos-evangélicos?
Nunca havia passado em minha vida a possibilidade de um evangélico tirar a própria vida, muito menos ainda um pastor. Isto porque em minhas observações pessoais e particulares costumava a comparar o instinto de vida do homem com os das demais espécies e, nessa comparação observava que este instinto em nós é muito mais evoluído do que nas outras espécies.
Por outro lado, também, observei, em minha leitura pessoal, que esse instinto de vida poderia ser profundamente danificado, corroído, destruído, por uma intervenção maligna (possessão diabólica): “O ladrão, vem pra matar roubar e destruir…” (João 10:10). Particularmente, já lidei com pessoas que tentaram suicídio que estavam literalmente possuídas por demônios.
Em se tratando, pois, de evangélico, que é assim, porque conhece na experiência própria a Maravilhosa Graça e as Escrituras, isso tudo nos levaria à impossibilidade de tal ato violento para conosco mesmo e para com a sociedade.
Porém, ainda com a constatação inequívoca de que gente crente-evangélica, ou ainda mais, líderes evangélicos também cometem este ato de violência, isso me causou uma grande dificuldade de compreensão. Primeiro, porque de uma forma geral, o suicídio aponta que quem comete esse ato, o faz também como revolta a própria sociedade, e no ato teológico entendo que tirar a vida seja, indiretamente, também, um ato violento contra o Autor da vida. Segundo, causa-me espanto, também, que evangélicos se suicidam porque ele tem em si a presença do Espírito Santo e, que, portanto, o maligno não tem o poder de possuir as suas mentes. Para mim, então, estes dois argumentos, eram suficientes para assegurar que uma pessoa serva de Cristo jamais cometeria conscientemente o suicídio.
Mas, o dilema, em relação aos irmãos da verdade da fé, que tiraram suas vidas fez-me a reler as Escrituras e constatar, que mesmo indivíduos que tem o temor de Deus, também, correm o risco de desistir da vida. Vemos Elias esgotado de suas lutas contra as trevas espirituais, escondido numa caverna, na qual Deus vê seu esgotamento e providencia o seu sucessor. E um outro personagem, Jonas, depois de longa jornada exaustiva de pregação declara: “Peço-te, pois, ó Senhor; tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver”. (Jonas 4:3).
Em Elias e Jonas podemos observar um esgotamento tanto espiritual quanto emocional. Nessas circunstâncias, fica implícita a desistência da vida. Por conseguinte, entendo, hoje, que nossos esgotamentos físico-emocionais (psicológicos) como também os espirituais podem nos levar de modo enfermo ao suicídio.
E quais ainda seriam as outras razões pelas quais um pastor tiraria a própria vida?
1º.) Por não atender às exigências de santidade e pureza, tanto por ele ensinada e exigida das suas ovelhas.
Na maioria das vezes não temos um relato explicito dessa razão, porém, quando  aparece vem do resultado de não atender às exigências de santidade e pureza, tanto por ele ensinada e exigida das suas ovelhas e porque agora é ele o transgressor e a vergonha se tornou insuportável por ele, diante de sua família que o tinha como exemplo, diante da sua igreja que o tinha como ícone da santidade e pureza.
2º.) Por uma compreensão teológica, ainda deficitária, no que diz respeito à doutrina do perdão divino
 O desejo de morte, pode ocorrer também ao pastor, por uma compreensão teológica, ainda deficitária, no que diz respeito à doutrina do perdão divino. Ao bem da verdade, Deus exige mais, porém, “onde abundou o pecado superabundou à graça” (Rm.5:20b) e em meio ao esgotamento psicológico e espiritual essa convicção fica horrivelmente enfraquecida.
3º.) Categoria Pastoral Competidora
Em terceiro lugar, ainda que não oficialmente, mas pouco se fala ou se trata de pastores feridos em nosso meio. É comum eles serem convidados a se retirarem. Por outro lado, segue a fama de difamação de outros colegas numa tentativa estranha de afogá-lo cada vez mais na lama em que entrou, pisando mais e mais sobre suas cabeças (talvez seja esse o único momento em que alguns crescem ou aparecerem no cenário denominacional). Este motivo então, pode contribui para a o seu autoflagelo final.
4º.) Ignorar a nossa fragilidade às doenças da alma
É preciso compreender que somos tão seres humanos quanto os demais, sujeitos às mesmas chuvas e tempestades da vida. E, em relação à depressão, não é difícil identificar na mídia as informações de suas causas, sintomas e os seus prognósticos.
A questão, hoje é: Como podemos trabalhar para minimizar o número de líderes que acabam desistindo da sua própria vida? Minha sugestão é que em primeiro lugar sejamos humildes e reconheçamos que em nossa denominação não somos tão autossuficientes assim. Costumo dizer que os muros de Jericó foram derrubados não apenas com o serviço de uma tribo, mas de todo o povo de Deus. Daí, proponho uma aproximação com grupos que já há algum tempo, investem profundamente na área de cuidados da liderança eclesiásticas.
ABPP (Associação Brasileira de Pastoreio de Pastores) em uma estatística comprovou o motivo da solidão pastoral, que para mim, também é um das causas fundamentais do suicídio, mostrando em sua pesquisa que pastores não buscam ajuda por alguns dos itens abaixo:1
1º.) Dificuldade de confiar nos outros (88%)
2º.) Falta de tempo (68%)
3º.) Falta de motivação ou visão (49%)
4º.) Não sentir a necessidade (32%)
5º.) Dificuldade de encontrar um mentor (27%)
6º.) Falta de uma estrutura que encoraje isso (25%)
Sem analisar os resultados, mas fazendo apenas um destaque vê-se que o primeiro motivo, que causa a solidão pastoral e as suas consequências é a falta de confiança nos outros, caminho para as consequências nefastas.
Creio, que precisamos nos equipar em cuidados profiláticos e tratamento dos colegas já adoecidos.
Que Deus tenha misericórdia de nós e que nós tenhamos misericórdia uns dos outros. Como está escrito: “Sede misericordiosos como é misericordioso o vosso Pai Celestial” (Lucas 6:36)
Joel Baptista de Souza, pastor da 1ª Igreja Batista da Enseada no Guarujá (SP), formado em Psicologia pela Universidade Católica de Santos

Adolescentes

Suicídio e automutilação

Outra questão que os pastores refletiram neste dia de reunião da Junta geral foi sobre suicídio e automutilação entre crianças e adolescentes.
A Dsa. Zilda Rossi, pedagoga, mostrou dados que revelam como a morte tem assediado as crianças e adolescentes. No Brasil, os índices de suicídio vem crescendo a cada ano. Só em 2016, foram 792 casos envolvendo jovens de 10 a 19 anos.
É um erro pressupor que tentativas de suicídio são apenas uma maneira de chamar a atenção, disse ela. “Os comportamentos auto lesivos, quando em idade mais avançada, tendem a aumentar a gravidade, até degenerar em atos suicidas”.