Os líbios não são mais pecadores que nós, brasileiros, por enfrentarem o caos político.
Desde a semana passada, a mídia tem se ocupado em noticiar os últimos fatos da revolta popular na Líbia. A população foi às ruas protestar contra o atual governo do ditador Muammar Kadhafi, líder da nação. Segundo Ronald Bruce St John, especialista em assuntos da Líbia e autor de 11 livros sobre o país, “a revolução popular foi motivada por um descontentamento com a fraude e corrupção de seu regime.” 1 Ainda não se sabe ao certo o número total de mortes, mas estima-se que o conflito já deixou centenas de vítimas. Na repressão militar aos manifestantes, inúmeros cidadãos acabaram perdendo suas vidas. Isso nos faz lembrar que um dia, Jesus também ouviu notícias semelhantes vindas de Jerusalém. ”Naquela ocasião, alguns dos que estavam presentes contaram a Jesus que Pilatos misturara o sangue de alguns galileus com os sacrifícios deles” (Lc 13.1 NVI).
Essa era a notícia da hora. Se na época de Jesus já existissem emissoras de televisão, com certeza, a transmissão seria interrompida para noticiar aos telespectadores os últimos fatos de Jerusalém. O procurador romano da Judéia, Pôncio Pilatos, autorizara a morte de alguns galileus no exato momento em que estes ofereciam sacrifícios a Deus. O número de mortes aqui também é desconhecido, mas podemos inferir que não foram poucos. Entretanto, na Bíblia, nenhuma noticia é tão nova assim. Como já afirmou o sábio: “Não há nada novo debaixo do sol” (Ec 1.9c). Crimes políticos são tão antigos quanto a própria humanidade. Tais atos de atrocidades sempre ocorreram no decorrer da história humana, de Pilatos a Muammar Kadhafi. A história está recheada deles. O imperador Nero iluminava Roma à luz das chamas que consumiam os corpos de homens e mulheres que professavam a fé cristã. Augusto Pinochet foi responsável por mais de três mil mortes no Chile. Charles Taylor, ex-líder da Frente Nacional Patriótica de Libertação da Libéria (1989-1997), é tido como responsável por 75 mil mortes em duas guerras civis no país.
E o que dizer de Hitler e do holocausto nazista ou das torturas infligidas pelo regime militar no Brasil, no qual centenas de pessoas foram mortas e torturadas com extrema crueldade? Enfim, poderíamos discorrer por horas acerca das várias atrocidades cometidas no decorrer da história por governos totalitários. Kadhafi não é o primeiro, nem o pior. Sempre houve aqueles que abusaram do poderio nacional. Mas o que Jesus tem a dizer a respeito destes fatos? Qual sua palavra em momentos como estes, em que onde a tirania de um opressor prevalece sem punição? O que Ele tem a dizer, tanto ao opressor quanto aos oprimidos da Líbia?
Voltemos ao texto de Lucas 13.1-5 e vejamos suas considerações acerca do massacre do galileus ocorrido em seus dias. “Vocês pensam que esses galileus eram mais pecadores que todos os outros, por terem sofrido dessa maneira?”, perguntouJesus, “Eu lhes digo que não!” (Lc 13.2 NVI).
Os ouvintes de Jesus certamente se surpreenderam. Também, pudera! Ele nem sequer condena o crime cometido por Pilatos. Em nossos dias este governador seria acusado pela Organização das Nações Unidas de crime contra a humanidade e sofreria sérias sanções pela comunidade internacional. Estranho, não acha? Esperamos que Jesus invoque alguma condenação futura para tal opressor ou que, ao menos, esclareça aos oprimidos o aparente silêncio de Deus em momentos como esses na história. No entanto, Jesus não diz nada. Nem sequer menciona o nome de Pilatos. Ele parece não se impressionar tanto com tal notícia. Afinal de contas, ele sabe, mais do que ninguém, que, em um mundo caído, a opressão e a brutalidade, por vezes, regem povos e nações. Que o mal em inúmeras ocasiões tende a dominar governos e estados.
Jesus se concentra apenas em afirmar que, os que são vítimas de tais opressores, não são mais pecadores do que qualquer outro ser humano. Em outras palavras, os líbios não são mais pecadores do que nós, brasileiros, por enfrentarem o caos político. As tragédias e os conflitos nem sempre obedecem à lei de causa e efeito. Não podemos afirmar que esses conflitos sociais são castigo divino. Mas então, o que dizer?
Melhor é concordarmos com o Mestre e dizer que tragédia mesmo é morrer sem arrependimento e contrição! Pois, para Jesus, a verdadeira tragédia não era morrer sendo vítima de um governo opressor, mas fechar os olhos para o mundo sem arrependimento e salvação. Por este motivo alerta seus ouvintes: “… se não se arrependerem, todos vocês também perecerão” (Lc 13.2). A verdadeira tragédia da Líbia é a morte de centenas de pessoas que não tiveram ou não aproveitaram a chance para se arrepender de seus pecados. Sendo assim, oremos ao Senhor pedindo sua misericórdia, tanto ao opressor quanto aos oprimidos da Líbia. Que eles tenham a chance de se arrepender e serem salvos pela infinita graça de nosso Senhor Jesus Cristo.
Kassio F. P. Lopes é missionário da IAP em Corumbá (MS).
1 Disponível em: http://g1.globo.com/revolta-arabe/noticia/2011/02/discursos-sugerem-que-
kadhafi-esta-num-estado-delirante-dizem-analistas.html. Acessado em 25/02/2011.