Não podemos ignorar nossas fragilidades da alma
“Chama-se suicídio a toda morte que resulta mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima.”
(DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. Tradução Andréa Stahel M. da Silva. São Paulo: EDIPRO, 2014. Págs. 13-15 e 391.).
Por que se suicidam os cristãos-evangélicos?
Nunca havia passado em minha vida a possibilidade de um evangélico tirar a própria vida, muito menos ainda um pastor. Isto porque em minhas observações pessoais e particulares costumava a comparar o instinto de vida do homem com os das demais espécies e, nessa comparação observava que este instinto em nós é muito mais evoluído do que nas outras espécies.
Por outro lado, também, observei, em minha leitura pessoal, que esse instinto de vida poderia ser profundamente danificado, corroído, destruído, por uma intervenção maligna (possessão diabólica): “O ladrão, vem pra matar roubar e destruir…” (João 10:10). Particularmente, já lidei com pessoas que tentaram suicídio que estavam literalmente possuídas por demônios.
Em se tratando, pois, de evangélico, que é assim, porque conhece na experiência própria a Maravilhosa Graça e as Escrituras, isso tudo nos levaria à impossibilidade de tal ato violento para conosco mesmo e para com a sociedade.
Porém, ainda com a constatação inequívoca de que gente crente-evangélica, ou ainda mais, líderes evangélicos também cometem este ato de violência, isso me causou uma grande dificuldade de compreensão. Primeiro, porque de uma forma geral, o suicídio aponta que quem comete esse ato, o faz também como revolta a própria sociedade, e no ato teológico entendo que tirar a vida seja, indiretamente, também, um ato violento contra o Autor da vida. Segundo, causa-me espanto, também, que evangélicos se suicidam porque ele tem em si a presença do Espírito Santo e, que, portanto, o maligno não tem o poder de possuir as suas mentes. Para mim, então, estes dois argumentos, eram suficientes para assegurar que uma pessoa serva de Cristo jamais cometeria conscientemente o suicídio.
Mas, o dilema, em relação aos irmãos da verdade da fé, que tiraram suas vidas fez-me a reler as Escrituras e constatar, que mesmo indivíduos que tem o temor de Deus, também, correm o risco de desistir da vida. Vemos Elias esgotado de suas lutas contra as trevas espirituais, escondido numa caverna, na qual Deus vê seu esgotamento e providencia o seu sucessor. E um outro personagem, Jonas, depois de longa jornada exaustiva de pregação declara: “Peço-te, pois, ó Senhor; tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver”. (Jonas 4:3).
Em Elias e Jonas podemos observar um esgotamento tanto espiritual quanto emocional. Nessas circunstâncias, fica implícita a desistência da vida. Por conseguinte, entendo, hoje, que nossos esgotamentos físico-emocionais (psicológicos) como também os espirituais podem nos levar de modo enfermo ao suicídio.
E quais ainda seriam as outras razões pelas quais um pastor tiraria a própria vida?
1º.) Por não atender às exigências de santidade e pureza, tanto por ele ensinada e exigida das suas ovelhas.
Na maioria das vezes não temos um relato explicito dessa razão, porém, quando aparece vem do resultado de não atender às exigências de santidade e pureza, tanto por ele ensinada e exigida das suas ovelhas e porque agora é ele o transgressor e a vergonha se tornou insuportável por ele, diante de sua família que o tinha como exemplo, diante da sua igreja que o tinha como ícone da santidade e pureza.
2º.) Por uma compreensão teológica, ainda deficitária, no que diz respeito à doutrina do perdão divino
O desejo de morte, pode ocorrer também ao pastor, por uma compreensão teológica, ainda deficitária, no que diz respeito à doutrina do perdão divino. Ao bem da verdade, Deus exige mais, porém, “onde abundou o pecado superabundou à graça” (Rm.5:20b) e em meio ao esgotamento psicológico e espiritual essa convicção fica horrivelmente enfraquecida.
3º.) Categoria Pastoral Competidora
Em terceiro lugar, ainda que não oficialmente, mas pouco se fala ou se trata de pastores feridos em nosso meio. É comum eles serem convidados a se retirarem. Por outro lado, segue a fama de difamação de outros colegas numa tentativa estranha de afogá-lo cada vez mais na lama em que entrou, pisando mais e mais sobre suas cabeças (talvez seja esse o único momento em que alguns crescem ou aparecerem no cenário denominacional). Este motivo então, pode contribui para a o seu autoflagelo final.
4º.) Ignorar a nossa fragilidade às doenças da alma
É preciso compreender que somos tão seres humanos quanto os demais, sujeitos às mesmas chuvas e tempestades da vida. E, em relação à depressão, não é difícil identificar na mídia as informações de suas causas, sintomas e os seus prognósticos.
A questão, hoje é: Como podemos trabalhar para minimizar o número de líderes que acabam desistindo da sua própria vida? Minha sugestão é que em primeiro lugar sejamos humildes e reconheçamos que em nossa denominação não somos tão autossuficientes assim. Costumo dizer que os muros de Jericó foram derrubados não apenas com o serviço de uma tribo, mas de todo o povo de Deus. Daí, proponho uma aproximação com grupos que já há algum tempo, investem profundamente na área de cuidados da liderança eclesiásticas.
ABPP (Associação Brasileira de Pastoreio de Pastores) em uma estatística comprovou o motivo da solidão pastoral, que para mim, também é um das causas fundamentais do suicídio, mostrando em sua pesquisa que pastores não buscam ajuda por alguns dos itens abaixo:1
1º.) Dificuldade de confiar nos outros (88%)
2º.) Falta de tempo (68%)
3º.) Falta de motivação ou visão (49%)
4º.) Não sentir a necessidade (32%)
5º.) Dificuldade de encontrar um mentor (27%)
6º.) Falta de uma estrutura que encoraje isso (25%)
Sem analisar os resultados, mas fazendo apenas um destaque vê-se que o primeiro motivo, que causa a solidão pastoral e as suas consequências é a falta de confiança nos outros, caminho para as consequências nefastas.
Creio, que precisamos nos equipar em cuidados profiláticos e tratamento dos colegas já adoecidos.
Que Deus tenha misericórdia de nós e que nós tenhamos misericórdia uns dos outros. Como está escrito: “Sede misericordiosos como é misericordioso o vosso Pai Celestial” (Lucas 6:36)
Joel Baptista de Souza, pastor da 1ª Igreja Batista da Enseada no Guarujá (SP), formado em Psicologia pela Universidade Católica de Santos